Blog : Ninho de Escritores

Leitura crítica #18

Dia 16 de novembro, propus um desafio aos leitores da newsletter do Ninho de Escritores: em até 60 palavras, escrever um parágrafo que leve o leitor a pensar “são as pequenas coisas que fazem a diferença”.

Trago aqui a contribuição da Laís Helena:

Aquela casa não parecia pertencer a Paula. Era grande, austera, vazia. Um lembrete constante de um mundo arruinado, capaz de destroçar mesmo as melhores pessoas.
Alina se dirigiu ao escritório, seus passos ecoando sobre a madeira. E ali, repousando discretamente sobre uma das prateleiras, estava a caixa de joias com que presenteara Paula anos atrás.
Ainda havia esperança.

O texto da Laís nos oferece exatamente o que desafio pedia: a noção de que são as pequenas coisas que importam. Como leitor, sabendo do desafio, sei exatamente qual era a intenção da escritora.

O problema, infelizmente, é que na maior parte das vezes o leitor não sabe qual é a intenção de quem escreveu o texto e deve compreender a história mesmo assim.

Quando o texto começa, sabemos que há uma casa grande, austera e vazia que não parece pertencer a Paula. Não sei quem é Paula, mas sei que ela não combina com um lugar grande, austero e vazio. Talvez Paula seja uma pessoa simples. Sigo lendo.

Um mundo arruinado. Uma casa nobre, porém destruída e saqueada, será isso?

Opa, tem prateleira e tem caixa de joias. Certamente é a “pequena coisa” que tem importância e que traz esperança a Alina, mas o que concluir a partir disso? Qual era a relação entre as duas personagens? O que aconteceu com Paula? Qual é o papel do casarão? Por que ela guardou a caixa de joias? Esperança de quê?

Enquanto faço estas perguntas, começo a me sentir curioso. Curiosidade é boa coisa na literatura, certo? Sim, mas em excesso vira problema. Minhas perguntas estão sendo alimentadas com outras perguntas, o que começa a transformar curiosidade em confusão. O que está acontecendo? Não sei e começo a me sentir deslocado.

O que a gente faz quando se sente deslocado e não sabe o que pode fazer para mudar isso? A gente foge. No caso, a gente para de ler.

Perceba que estou pegando pesado nestas 58 palavras. Com tão poucas palavras mal é possível contar uma boa história, disso não podemos ter dúvida.

Entretanto, esse é o desafio: condensar profundidade humana em um parágrafo. Para resolver o problema, o caminho é simplificar, trazer menos elementos para a história com maior clareza.

Uma frase poderia ser usada para oferecer a relação entre as duas personagens. Ou uma outra para explicar de que mundo arruinado estamos falando. E assim, com pequenos acréscimos ou mudanças, situamos o leitor em uma história que ainda lhe é estranha e misteriosa.

Como escritores, temos o dever de convidar o leitor a entrar e a ficar. Fazemos isso sendo claros com ele.

:)

Espero que estas sugestões que ofereci ao texto da Laís possam te ajudar na escrita das tuas próprias histórias. Os comentários feitos neste texto não têm a intenção de serem exaustivos, mas sim de destacar algumas das questões que podem ser melhoradas.

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