Dia 16 de novembro, propus um desafio aos leitores da newsletter do Ninho de Escritores: em até 60 palavras, escrever um parágrafo que leve o leitor a pensar “são as pequenas coisas que fazem a diferença”.
A Lia Maia aceitou a proposta:
Morte ao estigma da aparência! Ju sentia-se viva! Salto, saia e coragem! Poderia ser vista como a mulher que sempre fora, e agora estava finalmente completa, feliz principalmente por ouvir o vendedor de picolés perguntar “Qual o sabor, moça?”.
Juliano não estava morto, na verdade, ele jamais existira.
– Limão – Respondeu Ju num sorriso radiante.
Neste parágrafo da Lia, quero te convidar a pensar sobre a ordem com que apresentamos as informações ao leitor.
Toda e qualquer história escrita é apreendida de forma linear, uma palavra depois da outra, em geral do passado para o futuro e do sujeito para o predicado.
Essa é a ordem que esperamos na leitura e, portanto, é também a ordem que nos deixa mais confortáveis.
Jamais poderei dizer isso o suficiente: facilite o trabalho do leitor. Ler palavras e imaginar mundos já é cansativo o suficiente, por isso nosso trabalho é mantê-lo agarrado aos nossos textos. Se o leitor não entende alguma coisa, ele está um passo mais perto de ir embora.
Por que estou falando nisso? Porque o texto leva 39 palavras para me dar a pista sobre o que está tratando. Até então, fico me perguntando o que o estigma da aparência e o salto, a saia e a coragem têm a ver com o picolé.
Minha sugestão, por ser um trecho pequeno, é começar com o que dispara as sensações e reflexões da personagem.
– Qual o sabor, moça? – perguntou o vendedor do picolé.
Ju encarou-o sem responder. Não era indecisão, nunca fora indecisão; era, sim, a primeira vez que um estranho se dirigia a ela como “moça” e não como “viadinho”, “putão”, “bixa” e tantas outras palavras tingidas de ódio e medo.
Este é um exemplo rápido de como o parágrafo poderia ser reescrito. Sugeri desta forma atentando para duas coisas:
- A ordem das informações revela uma sequência: o vendedor faz uma pergunta e esta pergunta leva Ju a refletir sobre o que está acontecendo.
- Inseri um porquê mais específico para a perplexidade e decorrente felicidade. Agora sabemos, mesmo num parágrafo curto, que Ju sofreu muito com a incompreensão alheia.
Se o texto fosse maior, poderíamos pensar em outras soluções. Tudo depende do tema, ou seja, da “moral da história”, do valor humano sobre o qual estamos interessados em discutir.
No tema do desafio, “são as pequenas coisas que fazem a diferença”, ficou realmente difícil de trabalhar a ideia em um parágrafo de apenas 60 palavras, mas a proposta de Lia aponta nesta direção.
Espero que estas sugestões que ofereci ao texto da Lia possam te ajudar na escrita das tuas próprias histórias. Os comentários feitos neste texto não têm a intenção de serem exaustivos, mas sim de destacar algumas das questões que podem ser melhoradas.
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