Blog : Ninho de Escritores

Leitura crítica #10

Dia 19 de outubro, propus um desafio aos leitores da newsletter do Ninho de Escritores: escrever um parágrafo de até 60 palavras narrando em terceira pessoa uma cena em que um personagem se emociona.

A Priscila Pacheco me enviou um parágrafo:

O veterinário já havia dito para Maria que era praticamente impossível o gatinho sobreviver. Os dias passavam e a fala do médico parecia está certa. O coma continuava firme. Mas quando a esperança de Maria estava por um fio, o bichano reagiu. Moveu a cabeça, abriu os olhos e observou a dona, que transbordou em lágrimas e ressuscitou a fé.

Uma tendência atual, considerando as redes sociais e a velocidade do mundo, são as micronarrativas. O Twitter é um caminho comum para essas pequenas narrativas, que cabem em até 140 caracteres (no máximo 20 a 25 palavras). Fui pego de surpresa ao ver que o parágrafo da Priscila propôs uma história inteira em exatas 60 palavras.

“O veterinário já havia dito”, começa o texto. Opa, então tem algo no que ele disse que será contestado, desafiado e, provavelmente vencido. Pelo menos, é isso que “já havia dito” me informa. Como a história é curtinha, que tal trocar por “disse”?

“O veterinário disse a Maria que…”.

Já que estamos mexendo na primeira frase, o fato de ser uma história completa em 60 palavras não impede que utilizemos discurso direto, ao invés do indireto. Em geral, o discurso direto consegue carregar mais força do que o indireto. Por que não começar o texto com a fala do veterinário?

“‘É praticamente impossível ele sobreviver’, o veterinário disse a Maria”. Eu começo a desgostar desse veterinário. Vamos antagonizá-lo ainda mais?

“‘Ele vai morrer, não importa o que você faça’, o veterinário disse a Maria”. Agora, além de passar uma notícia ruim, ele se torna um cretino, facilita nossa raiva com todos os veterinários insensíveis que já conhecemos e nos dá mais vontade de que o gato (que será apresentado na frase seguinte) sobreviva.

Há duas coisas que eu gostaria de saber sobre a história: quando o gato entrou em coma (qual foi o evento disparador) e em que momento o gato acordou. O bichano reagir e levantar a cabeça sem explicação pode ser forte para quem viveu a cena, mas não para quem está lendo. Será que existe algum pequeno evento que possa ser narrado?

Por exemplo, o gato pode ter ficado em coma depois de um atropelamento. Já quase sem esperanças, Maria largou no chão uma bola de sininhos, o brinquedo favorito do bichano. E ele ouviu. Voltou de onde quer que estivesse, ergueu a cabecinha e miou. Maria sabia que miado era aquele: Pijaminha queria leite.

(A propósito, acho que escapou na digitação ou no autocorretor, mas a fala do médico “parecia estar certa”, não “está”.)

:)

Espero que estas sugestões que ofereci ao texto da Priscila possam te ajudar na escrita das tuas próprias histórias. Os comentários feitos neste texto não têm a intenção de serem exaustivos, mas sim de destacar algumas das questões que podem ser melhoradas.

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