O que significa ser um gênio criativo?
Ser capaz de criar peças maravilhosas que afetem milhões com um dedilhar simples num teclado? Ter a habilidade de perceber e destacar aquilo que olhos comuns são incapazes de enxergar? Manifestar através de si um fragmento do universo transformado em arte?
A ideia de que uma pessoa pode ser um gênio criativo tem muito a ver com a noção de talento, que apresentei em outro texto.
Elizabeth Gilbert, autora de Comer, Rezar, Amar, apresentou no TED um argumento interessante sobre como a cultura greco-romana entendia a noção de gênio criativo.
(Para quem entende em inglês, segue o vídeo. Na página do TED é possível assisti-lo com legendas em português.)
Elizabeth conta que os romanos, influenciados pelos gregos, percebiam a criatividade como fruto de uma interação entre o artista e criaturas mágicas que rondavam o estúdio: os gênios. Essas criaturas nada mais eram do que entidades divinas dotadas do poder de inspirar os seres humanos, potencializando as suas criações.
Como a própria Elizabeth sugere, nosso pensamento científico, avançado e cético como é, jamais aceitaria a noção de que fadinhas voam por aí espalhando criatividade. Sabemos que o ímpeto criativo é uma habilidade humana que pode ser desenvolvida por meio da prática.
Mas o que acontece quando colocamos a responsabilidade da criação toda sobre nossos ombros? Nós desmoronamos, porque é muito peso. Manter a sanidade enquanto se lida com práticas criativas é um desafio.
O que Elizabeth sugere é que voltemos a considerar o gênio criativo como uma entidade separada de nós. Essa esquizofrenia tem como objetivo nos proteger da responsabilidade de sermos cada vez melhores e cada vez mais profundos e originais. Se um trabalho saiu meia-boca, tudo bem, a culpa não é inteira minha, foi o gênio criativo que não me visitou. Se um trabalho saiu esplendoroso, segura aí o ego, porque ele só foi possível graças à mágica do gênio.
Essa sugestão transmuta o gênio do verbo ser para o verbo ter.
Eu tenho um gênio criativo da mesma forma que eu “tenho” um gato. É uma criatura viva, dotada dos próprios gostos e desejos, alguns dias mais afável, outros dias (ou até vidas inteiras) mais reservada. Por mais que eu tente, não posso controlar outra criatura.
Como todos os demais humanos, estamos à mercê dos gênios nos visitarem ou não. Junto com eles, podemos fazer trabalhos maravilhosos.
Porém, isso não significa que, se quisermos levar uma vida artística, podemos apenas esperar pelos gênios. São criaturas difíceis, do tipo que precisa se sentir desejado para continuarem a visitar. O melhor jeito para isso é fazer a nossa parte e comparecer ao trabalho, aprimorando nossas habilidades.
Afinal, um gênio sozinho não faz milagre. É preciso um artista competente para completar a relação.
[…] nada disso acontece fácil, por acaso, num sopro ligeiro de espontaneidade. Os gênios flanam e não se deixam ser levados a fazerem o trabalho inteiro. Quem pena é o artista, o […]