A literatura é magia pura, mas o escritor está mais para um ilusionista. Expliquei em detalhes aqui.
Uma boa história nos puxa pela mão para um mundo diferente e nos ensina a viver. Quando elaborado com a pitada certa de poesia, um texto nos revolve as memórias e perturba as certezas. No momento certo, um conto pode nos desarmar e nos mudar os olhares.
Mas nada disso acontece fácil, por acaso, num sopro ligeiro de espontaneidade. Os gênios flanam e não se deixam ser levados a fazerem o trabalho inteiro. Quem pena é o artista, o escritor suado e com tendinite.
Por achar que fazer literatura deve ser prazeroso, muitos de nós desistem no meio do caminho. Ou depois de um ou dois passos.
Procrastinam.
Escolhem coisas melhores para fazer. Coisas melhores são aquelas que trazem uma recompensa imediata. Videogame. Facebook. Filme. Livro.
Escrever dá trabalho, frustra, incomoda, mexe com o que está quieto. Escrever é cutucar nossos pensamentos profundos e pedir opinião para nossa criança, aquela criatura verdadeira que guardamos escondida em nós.
Uns diriam que cutucá-la é burrice.
No fim das contas, persiste escritor quem melhor tolera, até aprecia, o sofrimento. Ou quem aprende a torná-lo texto, para então sofrer mais um pouco e criar de novo.
Escrever não é prazeroso, mesmo que possa resultar em prazer (para si e para os outros). E algumas vezes, quando estamos em fluxo, pode ser uma experiência fantástica, um vislumbre do milagre do mundo condensado em um momento. Daí, sim, escrever é puro gozo.