Blog : Ninho de Escritores

Leitura crítica #3

Na newsletter do dia 12 de outubro, mandei um desafio para meus leitores: escrever um parágrafo de até 60 palavras que mostrasse o momento em que uma pessoa se apaixona pela outra.

A Priscila Pacheco me enviou um parágrafo:

Estava caminhando pela estação de metrô quando os nossos olhares se cruzaram. Sabe quando você está caminhando tranquilamente e, ao virar para o lado, olha direto nos fundos dos olhos de alguém? Foi assim com a gente. Caminhamos por alguns segundos sem desviar os olhares até que nos perdemos entre a multidão. Nossos olhares voltaram a se encontrar na plataforma.

Descobri uma ferramenta fantástica para analisar os parágrafos que estou recebendo. Chama-se Word Counter e é um site bem simples cuja função é contar a quantidade de palavras em um trecho. Desta forma, sei que o parágrafo da Priscila tem exatas 60 palavras (you go, girl!). Também é assim que eu sei que a palavra “olhares” aparece três vezes, enquanto “caminhando” aparece duas.

Tem problema repetir palavra?

Depende. Em um trecho de 60 palavras, acho que podemos evitar ao máximo essas repetições, porque temos um amplo léxico a nosso dispor.

Quando é OK repetir palavras? Quando se trata da melhor palavra para uma determinada situação. Nome de personagem? Se quiser evitar a traição dos pronomes, por favor, repita à vontade. Como sempre, tudo depende da intenção.

É fácil trocar o “caminhando”, ainda mais na primeira frase. Em vez de “Estava caminhando pela estação”, podemos escrever “Eu estava na estação de metrô”.

Já os “olhares”, como são três ocorrências, exigirão um pouco de malabarismo, especialmente porque o jogo entre os personagens está baseado nestes olhares.

Eu trocaria “quando os nossos olhares se cruzaram” por “quando nos vimos pela primeira vez”. Aproveitaria, se não houvesse o limite de 60 palavras, e descreveria rapidamente a pessoa, provavelmente com foco nos olhos.

Isso porque estou curioso para saber por quem a narradora se encantou e creio que outros leitores também podem estar.

Daí, temos “Caminhamos por alguns segundos sem desviar os olhares”, que, sem nem pensar duas vezes, trocaria por “Deve ter durado só um segundo, até que nos perdemos”. Essa troca tem função tripla: tira a palavra “olhares”, expulsa o verbo “caminhar” e, para completar, mexe com a noção de tempo. “Alguns segundos” é diferente de “Deve ter durado só um segundo” porque revela a dimensão psicológica da percepção do tempo.

Tenho um último comentário: sabe por que é bacana o modo como a Priscila terminou o parágrafo? Porque histórias sempre narram mudanças e o jeito de prender o leitor é pela curiosidade. Quando os olhares se cruzam de novo na plataforma, eu quero saber o que acontecerá a seguir. Para isso, serei obrigado a ler o próximo parágrafo. Se ela mantiver este jogo até o final, levará o leitor a acompanhar o texto inteiro.

:)

Espero que estas sugestões que ofereci ao texto da Priscila possam te ajudar na escrita das tuas próprias histórias. Os comentários feitos neste texto não têm a intenção de serem exaustivos, mas sim de destacar algumas das questões que podem ser melhoradas.

Caso queira ver um parágrafo teu ser comentado aqui no Blog do Ninho de Escritores, assina a newsletter e participa dos desafios. Também atendo de forma personalizada, completa e individual por meio do Voo Solo.



Deixe uma resposta

Inscreva-se: email