Dia 23 de novembro lancei um desafio para os leitores da newsletter: em até 60 palavras, descrever o próprio quarto, recorrendo a metáforas e imagens.
A Carolina Bernardes topou:
Shazada me recebeu com um abraço apertado e longo. Estava vestido com uma camiseta colorida de algum deus da Índia. Ele me ofereceu seu quarto para passa uns dias. O ambiente é tão místico quanto o dono, um altar na entrada, moveis antigos dividem espaço com cocares indígenas, um filtro do sonhos e símbolos sagrados. No meio disso tudo agora tem uma mochila e equipamentos de para acampar espalhado pelo chão. Em cima da cama, uns cobertores a mais vieram fazer companhia a saco de dormir brasileiro.
O parágrafo da Carolina passou 26 palavras do limite.
Limitações criativas têm uma função muito importante para o processo artístico: elas existem para nos impedirem de fazer qualquer coisa que quisermos.
Inclusive, recomendo a qualquer escritor, mesmo quando não estiver se desafiando: crie limitações. Escrever em tantos minutos, descrever uma cena por tantas palavras, não utilizar nenhuma palavra mais de uma vez (esse desafio é bem difícil), começar cada palavra de uma frase com uma letra diferente… As limitações possíveis são infinitas e cada uma delas produzirá criações diferentes.
Quando aceitamos uma limitação, precisamos contorná-la de forma criativa. Se eu tive uma ideia, mas ela extrapola meu limite, tenho duas opções: ignorar o limite ou exercitar a ideia até que ela caiba no que me foi proposto.
É apenas treinando que a gente melhora.
Se as limitações criativas são importantes para o escritor, os verbos são essenciais para qualquer história. Eles acrescentam movimento e fazem as coisas mudar – e toda história é sobre mudança.
Porém, é necessário manter coerência com relação ao tempo verbal que utilizamos. O parágrafo que estamos analisando começa no passado (recebeu, estava, ofereceu), mas em seguida entra no presente (é, dividem, tem…). Essa mudança no tempo gera confusão na cabeça do leitor: afinal, a história está no passado ou no presente?
Nenhum dos dois é melhor que o outro, são apenas diferentes. O passado passa uma impressão de história concluída, distante no tempo. Já o presente sugere atualização constante, como se a história estivesse acontecendo em paralelo à leitura.
Qual utilizar? Depende do efeito desejado pelo escritor.
O que não depende é a coerência entre os tempos verbais e entre número. Na frase “tem uma mochila e equipamentos de para acampar espalhado pelo chão”, além do “de para” que escapou à revisão, mochila e equipamentos ficam espalhados, no plural, não no singular.
Quando deixamos esses equívocos chegar ao leitor final – não é o caso aqui, mas é importante para o exercício de leitura crítica que tentemos escrever o melhor texto possível dentro das condições de tempo e disposição –, ele confia menos em nós.
O leitor não quer um texto com erros, pois eles interferem na mágica.
Espero que estas sugestões que ofereci ao texto da Carolina possam te ajudar na escrita das tuas próprias histórias. Os comentários feitos neste texto não têm a intenção de serem exaustivos, mas sim de destacar algumas das questões que podem ser melhoradas.
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