Blog : Ninho de Escritores

Leitura crítica #17

Dia 16 de novembro, propus um desafio aos leitores da newsletter do Ninho de Escritores: em até 60 palavras, escrever um parágrafo que leve o leitor a pensar “são as pequenas coisas que fazem a diferença”.

A Helena Vilela fez o exercício:

Eu estava no cinema, na minha cadeira cativa: h8. Era como minha zona de conforto. Eu já havia visto ele na entrada, mas não o reconhecia. Na verdade não queria reconhece-lo. A altura, a careca. Os olhos azuis. “Calma, não eram cor de avelã?” fiquei confusa. Sentou algumas cadeiras a esquerda e em meio a tudo aquilo me chamou pra conversar. “Mas você está namorando” disse. “Helena, nós precisamos conversar”. Eu sentei na extremidade da cadeira, não queria nem encostar nele. ele conversava como amigo e com um carinho enorme, o mesmo de quando nos conhecemos. Me trazia uma sensação de paz. “Como você, por acaso, consegue intervir com as palavras certas? Parece mágica.“ pensei. “Fiquei sabendo dos seus feitos, das suas vontades e sobre o que você está pensando – em desistir. Se eu acredito em você, porque você não acreditaria?“ então por um minuto era como se eu me transportasse para o ano anterior. “Eu vou suportar todos os seus sonhos“ ele dizia. E então finalmente me dei conta de tudo q acontecia. Ele me abraçou forte e eu pude sentir o quão amável ele era e que eu não deveria perder a esperança. Suas palavras eram como quebrar um encantamento. Ao mesmo tempo que diziam vai, diziam eu te espero.  Mais tarde me peguei olhando sua foto. Seus olhos azuis, e não avelã como eu lembrava. Suas palavras me davam força.. e eu nunca mais parei, pelo contrário… Até que em um novo encontro ele me pediu calma. Disse q tudo daria certo.

Sem dúvida, ela se empolgou um pouquinho para além das 60 palavras e escreveu 255 palavras.

Destacarei alguns trechos que merecem uma edição cuidadosa.

Eu já havia visto ele na entrada, mas não o reconhecia.

O texto é tudo que o leitor tem para entender o que se passa no mundo. Quando a narradora afirma já tê-lo visto na entrada, mesmo que eu ainda não saiba quem é esse “ele” definido e preciso, eu imagino que a narradora o conhece. Esta é uma hipótese que será confirmada nas palavras seguintes, e de fato é na próxima frase. Ainda assim, está escrito “mas não o reconhecia”, o que sugere que o “ele” não é de alguém conhecido, quando na verdade é.

Pareceu confuso? É melhor se não parecer.

A altura, a careca. Os olhos azuis. “Calma, não eram cor de avelã?” fiquei confusa.

As aspas neste trecho estão sendo usadas para pensamento, mas a narradora já mostrou na frase anterior (“Na verdade não queria reconhecê-lo”) que pensa no meio da narração. Por isso, as aspas enviam uma mensagem ambígua. É pensamento ou discurso direto?

Quando o discurso direto efetivamente se apresenta, a dificuldade de discernir um do outro aumenta.

Sentou algumas cadeiras a esquerda e em meio a tudo aquilo me chamou pra conversar.

“Tudo aquilo” o quê? Porque, salvo engano, a única coisa que está acontecendo é um sujeito sentar cadeiras distante e chamar para conversar sequer tendo se prestado a chegar mais perto.

“Mas você está namorando” disse.

Pergunto: quem disse? Ela ou ele?

Cenas com apenas dois personagens são desafiadoras porque precisamos sempre atentar quem está dominando a ação e como fazemos a transição entre um e outro personagem. Seria ainda mais desafiador se ambos personagens utilizassem pronome masculino ou feminino, como no caso de duas mulheres ou dois homens.

Uma sugestão para aprimorar o parágrafo seria deixar mais explícita a relação do casal. Eles estão juntos, estiveram, não estão mais, estarão, ela quer, ele não, ele está com outra pessoa, ela não lembra dos olhos dele…? Ocupado em compreender estas questões, o leitor pode se perder do que importa, ou seja, das pequenas coisas (como o desafio pedia).

:)

Espero que estas sugestões que ofereci ao texto da Helena possam te ajudar na escrita das tuas próprias histórias. Os comentários feitos neste texto não têm a intenção de serem exaustivos, mas sim de destacar algumas das questões que podem ser melhoradas.

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