Blog : Ninho de Escritores

Leitura crítica #13

Dia 26 de outubro, propus um desafio aos leitores da newsletter do Ninho de Escritores: em até 60 palavras, escrever na terceira pessoa um parágrafo sobre a experiência de comer algo ruim.

A Anna Oliveira participou do desafio:

Tremeu todo o corpo enquanto os pelos da nuca arrepiavam. Ugh. “Que coisa amarga!”. Correu para a cozinha. Aquela meleca azul tinha um cheiro tão suave, tinha a assinatura de um cozinheiro tão famoso, e era tão ruim. Após dois copos de água e uma colher de leite condensado, Fernando jogou fora o pote da meleca. Era tudo propaganda enganosa.

Neste parágrafo da Anna, quero pensar um pouco sobre o que escrevemos e o que deixamos de escrever. A Anna fez um belo exercício num desafio anterior, portanto minha crítica a este texto dará destaque a perguntas para o texto, mais do que sobre como melhorá-lo.

Começo pelo mais importante: não compreendi que meleca azul é essa. O “ugh, que coisa amarga!” me faz pensar que Fernando é uma criança, então imaginei que se tratava de uma daquelas melecas de brinquedo que grudam em tudo, mas essas melecas não têm assinatura de cozinheiros famosos… Têm?

(Estou realmente curioso para saber que meleca é essa!)

Ao invés de “aquele meleca azul”, a primeira aparição da “coisa” poderia ser pelo seu próprio nome. Isso, claro, se Fernando tiver discernimento para saber o nome – o que, dado o tamanho do texto, é impossível dizer.

Para além da meleca, podemos pensar sobre a interjeição “ugh”. Ela passa a sensação de nojo que precisa passar, mas por que acontece fora das aspas? Se é uma fala do personagem, pode anteceder o resto da frase que é dita a seguir, “que coisa amarga!”.

Uma frase me deixou encucado: “Correu para a cozinha”. Por que oferecer essa informação para o leitor? Especialmente num texto curto, toda palavra conta. Nas frases seguintes, Fernando beberá água e leite condensado, portanto sabemos que ele deve ter passado pela cozinha. De que forma poderíamos ter utilizado outras quatro palavras para oferecer mais clareza ao leitor?

Já que estamos falando sobre usar outras palavras, que tal limparmos algumas que se repetiram? A frase “Aquela meleca azul tinha um cheiro tão suave, tinha a assinatura de um cozinheiro tão famoso, e era tão ruim” pode facilmente perder pelo menos dois “tão” e o segundo “tinha”.

Com as quatro palavras da corrida à cozinha, já são sete palavras que podemos aproveitar para outro efeito.

Quando o texto fecha com “Era tudo propaganda enganosa”, eu não sei que “tudo” foi esse. Se eu soubesse, talvez todo o texto fizesse sentido, mesmo que só no final – um jogo perigoso, mas bastante utilizado em literatura.

:)

Espero que os comentários que ofereci ao texto da Anna possam te ajudar na escrita das tuas próprias histórias. Eles não têm a intenção de serem exaustivos, mas sim de destacar algumas das questões que podem ser melhoradas.

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2 respostas para “Leitura crítica #13”

  1. Anna Oliveira disse:

    Foi tão divertido escrever esse trecho. Pena que pareceu todo errado. hahaha.

    Não vi o Fernando como criança (porém ficaria divertido se fosse!), não vi a meleca azul como esses brinquedos (também seria divertido se fosse). Vi a meleca mais como um doce – essa era a expectativa da personagem, mas era um trem amargo e não doce), vi o “ugh” como pensamento e não fala. :S Quanto ao “correu para a cozinha”: eu não iria escrever essa parte. :O E o “tão” repetido foi proposital. Queria expressar quão alta estava a expectativa da personagem em relação à comida (expectativa que foi totalmente frustrada/não atingida).

    Uma coisa boa: gerou curiosidade! :P hehe.

    Obrigada pela análise, Tales. :)

    • Anna Oliveira disse:

      Ahh, e quanto ao “tudo” era o pote todo de meleca. O pote, o cheiro, a assinatura do cozinheiro famoso, tudo que contribui pra gerar essa expectativa na personagem não passou de uma “propaganda enganosa”. rsrs.

      Abraços!

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