Na newsletter do dia 12 de outubro, mandei um desafio para meus leitores: escrever um parágrafo de até 60 palavras que mostrasse o momento em que uma pessoa se apaixona pela outra.
A Lia M. topou o desafio:
Havia cabelos escuros escondendo parte do rosto, a pele pálida da fera humana parecia refletir a luminosidade fraca da água do braço do rio que passava ao redor e conforme o homem continuava a se erguer deixando o breu que o escondera, Belcher só conseguia pensar em quão maravilhoso ele era!
Meu primeiro comentário é sobre o tamanho da frase. Não há regras para o tamanho das frases, mas precisamos estar atentos aos efeitos que causamos nos leitores. Frases longas exigem mais esforço de leitura e fazem com que a narrativa pareça mais devagar. Muitas vezes, esse é um efeito desejável para descrições, como é o caso aqui.
Frases longas são mais difíceis de escrever do que frases curtas. Quanto mais alongamos uma frase, mais precisamos cuidar para que todos os seus elementos continuem claros e coerentes. Minha preocupação nestes casos é evitar que o leitor fique confuso.
Algo que pode confundir o leitor é a sequência de elementos amarrados uns aos outros. Veja: “a luminosidade fraca da água do braço do rio que passava ao redor”. Para entender a luminosidade fraca, preciso compreender a água, que vem do braço, que pertence a um rio, que passa, passa onde?, ao redor.
Além da sequência dos elementos, também precisamos pensar nos referenciais de localização. O braço do rio passava ao redor do quê? Onde estava “o breu que o escondera”? Eu sei que existe um rio, sei que existe um breu, mas não consigo me localizar em relação a eles – muito menos saber onde estão a fera humana e Belcher.
Ainda pensando nos referenciais, vamos ler de novo a primeira parte da frase? Eu li “Havia cabelos escuros escondendo parte do rosto” e fiquei me perguntando: o rosto de quem? Seguindo a frase, descubro que é uma fera humana, mas depois a fera é indicada como sendo um homem. Ou seja, eu não sei quem ou o que Belcher está olhando.
Já que falamos no Belcher, o que o levou a ficar maravilhado? Quando narramos uma história, precisamos construir junto ao leitor a percepção dos porquês dos personagens. Ao contrário do que costumamos acreditar, o leitor não tem obrigação de acreditar na história. Tudo bem, um parágrafo é pouco para conhecermos como Belcher pensa e sente, mas o que, em uma criatura de cabelos escuros saindo do breu, causou maravilhamento? O leitor não quer acreditar no que está sendo contado, o leitor quer entender.
Tenho algumas sugestões de reescrita:
- Informar o leitor desde o início sobre o que ou quem está sendo observado.
- Reduzir o tamanho da frase, quebrando-a em frases menores, cada uma focada em um aspecto diferente do que está sendo descrito.
- Embora estejamos olhando a criatura surgir, nós a estamos olhando pela percepção de Belcher. Ou seja, procure dar atenção para como ele percebe a criatura desde o primeiro momento, não só no final.
Espero que estas sugestões que ofereci ao texto da Lia possam te ajudar na escrita das tuas próprias histórias. Os comentários feitos neste texto não têm a intenção de serem exaustivos, mas sim de destacar algumas das questões que podem ser melhoradas.
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[…] A Lia Maia aceitou o desafio novamente: […]