Blog : Ninho de Escritores

Escrita livre #5

Dia 30 de novembro, convidei os assinantes da newsletter do Ninho de Escritores para me contarem uma boa história que nasceu de uma decisão ruim.

A Beliza Coelho me encaminhou o seguinte:

Amores tortos

Ela estava com a idade a fazer tudo o que o corpo pede e que a mente esquece. Sem compromisso com ninguém, além da sua diversão e do libertário prazer que vez ou outra tomava conta de suas veias. O frenesi dos descobrimentos, dos desencantos e inevitáveis desamores depois de um tempo de clausura.

Ele guardava consigo seus pensamentos e levava nos olhos a doçura de observar o mundo com ternura. No revés de dizer não, mantinha uma relação que pouco lhe interessava, de modo que buscava em novos horizontes tantas completudes bastassem para seu intento.

Os dois caminhando livremente pela vida, com olhos atentos e sentidos aguçados.

Pois um dia se perceberam quase sem querer, numa festa que ela resolveu ir de última hora. Se arrumou com pressa em frente ao espelho pequeno no quarto da amiga, seguiram juntas cantarolando e rindo diante das surpresas que a noite sempre revelava.

Ele saiu com a discrição de sempre, poucas palavras, gestos contidos, respostas vagas.

Os dois estavam no mesmo local, balançando ao som dos turbulentos ritmos tropicais que aguçam os instintos por vezes adormecidos nas ancas. Partiram ao encontro que iniciaria o longo trajeto de descaminhos até o ajustamento de condutas.

Ela fugia da perseguição insistente de um amigo inconveniente, ele a salvava com a delicadeza que ela ainda não tomara para si como gesto de grandeza. Pois ali nasceu o primeiro olhar, o primeiro sentido para o que cada um despertava no outro, a percepção do novo, percursos assustadores que levariam a lugares por vezes sombrios e depois clarividentes.

Pois começaram a se amar quase sem querer naquele instante. Os amores não se anunciam, quando se nota estão instalados e sem hora marcada para sair. Um desespero.

Foi isso o que ela sentiu depois do primeiro encontro, ao deitar-se na cama na aurora do dia, conferir seu peito e notar que algo novo além do deslumbramento: desespero.

Sim, porque de súbito se recordou da vagueza com que ele havia mencionado uma namorada dias antes. Não se conteve, enviou naquele mesmo instante a mensagem com pergunta fatídica a ele. A ausência de retorno era a confirmação que temia para os próximos dias de angústia.

Mesmo assim foram se amando, conforme o tempo permitia e sem notar o quanto um e outro iam se imiscuindo na pele alheia. A alma que se enchia daquilo que não se descreve por qualquer palavra que há no mundo, porque amor é pequeno e não cabe em tudo que viviam quando estavam juntos.

Mas ela também sofria, por não ser inteira da forma que sempre se acostumou a ser. Não conseguia compreender esses encontros pelos cantos, essa ausência de conversas sinceras, então resolveu dar cheque e mate para por fim aos dias intermináveis. Ele reagiu conforme se previa, sem a correspondência do amor e ela resolveu ir embora aos prantos que demoraram a se findar.

Com a beleza que tomava conta de seus olhos, logo se fez com outro amor. Ele não pôs credo na agilidade com que ela se arranjou, tratou de fazer cerca na tentativa de semear o sentimento que outrora existiu.

Ela firme não se dissuadiu, viveu o que sua índole detinha sem esmorecer. Ele ficou sentido, naquele desconjuramento de que tudo tinha se acabado.

Mas o destino prega suas peças. Pois ele terminou de vez aquele descompromisso que já não havia como prosseguir, ela foi surpreendida com o fim das paixões por aquele que guardava afeto.

De uma hora pra outra estavam de novo juntos, ele e ela, ao som da mesma música, saboreando a mesma fruta (que ele sempre tratava de levar pra ela) e aprendendo a amar mais uma vez aquele amor que pensavam ter se perdido.

Foram se cheirando sem pressa, sem receios, sem planos ou insinuações. De repente estavam sós, suficientes, inteiros e dispostos.

Percorrem juntos esses caminhos sinuosos da convivência, do dia-a-dia, do aconchego e desatinos. Hoje ele aprendeu a reverberar com um tico de facilidade, embora o olhar de ternura permaneça em tudo que vê. Ela entendeu que ser firme não é ser dura e segue exercitando passos leves.

Ela sou eu, ele é você. O amor nos trouxe tortos e nos fez direito.


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Leitura crítica #25

Dia 23 de novembro lancei um desafio para os leitores da newsletter do Ninho: em até 60 palavras, descrever o próprio quarto, recorrendo a metáforas e imagens.

Trago aqui a participação da Layla Dayane:

O Meu quarto fica Do lado Do banheiro, Mais algo era estranho Pois fazia muito barulho, ali tinha acontecido varias  brigas. Ate eu Me muda Para Lá . Meu quarto tinha uma Garotinha que dormia ali Ela se chamava Alyan, Um nome bem estranho para aquela bela Garotinha. Mais tudo bem , tinha algo estranho com Ela todas a noites Ela chorava assim dizia a Mae dela.. Um dia a disse ,Ja não aguento Mais essa situação minha filha tem algo ruim pois todas as noites chorava sem motivos. Mais a Mae de Alyan Nao sabia que ali naquele quarto existia algo que todas as noite pertubava ela. Chegou Um dia que Ela se cansou e vendeu a Casa, meus pais resolverão compra, Alyan Me Viu e disse. Aquele quarto e mal a sobrando todas as noites que eu ia dormi eles Me torturavam, nao dormi la e se você conta pra Alguém não  irão acreditar  em você ,eu Sei que não irao, minha mãe nunca acreditou Mais eu vejo em você algo que podera mudar e mostra a verdade pra eles. Assim vai ver que eu nunca fui louca.
E assim aconteceu Me mudei para o quarto de Alyan e a primeira noite foi susegado,ai sim na segunda noite naquele quarto minha cama tremia Meu guarda roupa batia as portas e comecei a ver que tudo que aquela Garotinha Me disse era verdade e não  fiquei com medo, Entao algo puxou minhas cobertas para baixo Da cama, eu comecei a tremer e perguntava , “Quem esta ai”? “Oque querem comigo”? E so batião  as portas . Eu ia ficar com medo ,Mais parei e pensei. Eles gostao que sentimos medo,  ai eu comecei a demostra que nao tinha medo deles, assim comecarão a Me deixar em paz..
” Resumo da história”,  Não devemos ter medo Do escuro e Sim orar e tentar dormi em paz Pois tudo só  passava de um medo..

O trecho da Layla tem 319 palavras, o que supera o limite de 60 palavras requisitado pelo desafio. Por isso, vou limitar-me a fazer uma sugestão: é essencial conhecer a linguagem e dominá-la.

Há alguns exemplos simples:

Compreendendo estes pontos, o texto poderá melhorar bastante.

A partir daí, será possível ler e refletir sobre a qualidade da história.

:)

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Leitura crítica #24

Dia 23 de novembro lancei um desafio para os leitores da newsletter do Ninho: em até 60 palavras, descrever o próprio quarto, recorrendo a metáforas e imagens.

A Priscila Pacheco participou:

O quarto estava tão bagunçado que até parecia abandonado. Havia pilhas de livros em diferentes cantos, cesto lotado de roupa para lavar e mais um monte para passar. Comecei a arrumação pelos livros. Organizei todos como se estivessem em fila indiana. Depois coloquei um porta retrato próximo a eles para quebrar a formalidade. O quarto logo ficou mais leve.

A descrição apresentada no parágrafo da Priscila está boa, mas carece de detalhamento. O leitor ainda não sabe como é o quarto, tampouco o tamanho do cesto ou qualquer elemento que possa oferecer uma noção melhor sobre a situação do quarto e da pessoa que vive nele.

Depois de ler este trecho, fui pesquisar o que significa “fila indiana”. Por um momento, achei que poderia ser uma ordenação do menor para o maior, um atrás do outro. Mas não, é apenas enfileirar um atrás do outro.

Lendo, fiquei em dúvida se “fila indiana” é uma expressão adequada para descrever como os livros foram posicionados. Talvez minha imaginação esteja faltando neste ponto.

As pilhas de livros estão em diferentes cantos, mas quantos cantos há em um quarto?

E quando foram enfileirados, foram enfileirados onde? Na estante, no chão, em um dos cantos?

:)

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Leitura crítica #23

Dia 23 de novembro lancei um desafio para os leitores da newsletter do Ninho: em até 60 palavras, descrever o próprio quarto, recorrendo a metáforas e imagens.

Eis a participação do Felipe:

Joana entrou no quarto de Felipe com um único objetivo, encontrar o dicionário albanês. Mas deparou-se com a maior pilha de livros que já vira na vida. Vindo de um rapaz que não gostava de ler, era assustador. O quarto era pequeno e limpo, mas a pilha era enorme. Chocada, sentou-se na cadeira do computador e lamentou. “Puta que pariu!”.

Minha primeira pergunta é: quem são Joana e Felipe? Qual a relação entre eles?

Essa pergunta é essencial para compreendermos o parágrafo, já que temos algumas referências abstratas: “a maior pilha de livros que já vira na vida” e “um rapaz que não gostava de ler”.

Quantas pilhas de livros Joana já viu por aí?

Como não tenho resposta para essa pergunta, não consigo imaginar quantos livros são. Neste caso, uma parte significativa das informações se perde. Melhor seria uma imagem concreta: “os livros se entulhavam pelo chão, tanto que Joana mal conseguiu chegar até a cama de Felipe sem tropeçar em alguns tomos”. Ou algo assim.

Uma segunda questão me coçou durante o trecho: por quê? Por que Joana está em busca de um dicionário albanês, por que o dicionário está no quarto do Felipe e, principalmente, por que o parágrafo termina com um “puta que pariu”?

O texto não precisa responder a essas perguntas de imediato, já que elas podem impulsionar o leitor a continuar a leitura, mas em algum momento elas precisam ser sanadas.

Quando se trata de cuidar do leitor, melhor antes do que depois.

:)

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Leitura crítica #22

Dia 23 de novembro lancei um desafio para os leitores da newsletter do Ninho: em até 60 palavras, descrever o próprio quarto, recorrendo a metáforas e imagens.

A Regina Costa me enviou um parágrafo:

Três, quatro ou cinco estrelas – depende do espaço da fresta. Com olhos de luneta contemplo da minha cama o que se passa fora e dentro. À minha frente um altar onde me inspiro para meditar sentada numa poltrona noir com pés forma de cruz em base cromada giratória de cor branca como meus pensamentos – nuvem em órbita…

Neste parágrafo, a Regina trouxe uma boa metáfora: “olhos de luneta” me remetem diretamente aos olhinhos apertados que se estreitam para aprofundar o alcance da visão.

Durante o trecho, em especial na última frase, senti falta de vírgulas que me permitissem respirar. Desde “à minha frente” até “nuvem em órbita” não há nenhuma pausa.

Essa pode ser uma escolha de ritmo, mas ela me obriga a ler e reler em busca da ordem certa das coisas. Os pés em forma de cruz são os meus ou os da poltrona? Perguntas assim distraem da leitura.

Que tal quebrar a frase em partes menores?

À minha frente, um altar, no qual me inspiro para meditar. Sento numa poltrona noir, com pés forma de cruz em base cromada giratória, a cor branca como meus pensamentos – nuvem em órbita…

Com pequenas modificações, o jogo entre pensamento e poltrona se mantém e a leitura fica mais fácil.

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Leitura crítica #21

Dia 23 de novembro lancei um desafio para os leitores da newsletter do Ninho: em até 60 palavras, descrever o próprio quarto, recorrendo a metáforas e imagens.

Trago aqui a participação da Alissa:

A noite as sombras criam um universo diferente. A estante em frente alonga-se além do teto como se guardasse todo o conhecimento humano, ao lado dela os objetos sobre a mesa se transformam em montanhas e vales, já o guarda roupa a esquerda abre um portal para outra dimensão e da minha cama tudo controlo, como rainha deste reino solitário.

Um parágrafo com exatas 60 palavras. Os primeiros desafios que lancei publicamente no Ninho de Escritores foram no Facebook e as pessoas tinham a missão de escrever histórias com exatas 100 palavras e um tema específico.

Difícil, né? Mas possível, como vemos aqui.

Meu primeiro comentário sobre este parágrafo diz respeito à crase (e para falar disso, veja só, usei uma crase). Crase é o resultado de uma relação de afeto entre o artigo definido feminino “a” e a preposição “a”. Eles se reconhecem um no outro e se fundem como adolescentes apaixonados.

Exemplo fácil: “entreguei flores à mãe dele”, que escrevemos assim para não escrever “entreguei flores a [preposição] a [artigo] mãe dele”.

No caso do parágrafo acima, temos locuções adverbiais pedindo por crase: à noite e à esquerda. Caso tu queira mais informações sobre isso, pode pesquisar aqui.

O desafio que originou este texto pedia o uso de imagens e metáforas, e é isso que o parágrafo nos entrega com estantes infinitas, montanhas, vales e portais mágicos.

Imagens e metáforas permitem que nossa escrita vá além do que é factual, físico, presente, mas até para elas existem limites. Neste parágrafo, encontramos um deles: a verossimilhança.

O leitor precisa acreditar que o que está no texto é possível dentro do universo da história.

Quando trazemos imagens e metáforas, convidamos o leitor a estender a compreensão tradicional dos elementos presentes em uma história, mas eles precisam respeitar as regras do universo.

Porém, quando “a estante em frente alonga-se além do teto”, fico pensando sobre como ela atravessa o teto. Mas não é isso que ela faz. É a sua sombra que se alonga pelo teto, mas nunca além dele. Quando algo vai além, ultrapassa.

Para resolver isso, precisamos olhar para o verbo (alongar) e para o advérbio que o qualifica (além). Que tal se a estante se derramar pelo teto? Quando algo derrama, se espalha por uma superfície – em geral, o chão, mas estamos falando de um quarto temperado com sonhos, então por que não se derramar pelo teto?

Esta não é a melhor ideia, é apenas uma ideia entre tantas.

Isso faz sentido para ti?

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Leitura crítica #20

Dia 23 de novembro lancei um desafio para os leitores da newsletter: em até 60 palavras, descrever o próprio quarto, recorrendo a metáforas e imagens.

A Carolina Bernardes topou:

Shazada me recebeu com um abraço apertado e longo. Estava vestido com uma camiseta colorida de algum deus da Índia. Ele me ofereceu seu quarto para passa uns dias. O ambiente é tão místico quanto o dono, um altar na entrada, moveis antigos dividem espaço com cocares indígenas, um filtro do sonhos e símbolos sagrados. No meio disso tudo agora tem uma mochila e equipamentos de para acampar espalhado pelo chão. Em cima da cama, uns cobertores a mais vieram fazer companhia a saco de dormir brasileiro.

O parágrafo da Carolina passou 26 palavras do limite.

Limitações criativas têm uma função muito importante para o processo artístico: elas existem para nos impedirem de fazer qualquer coisa que quisermos.

Inclusive, recomendo a qualquer escritor, mesmo quando não estiver se desafiando: crie limitações. Escrever em tantos minutos, descrever uma cena por tantas palavras, não utilizar nenhuma palavra mais de uma vez (esse desafio é bem difícil), começar cada palavra de uma frase com uma letra diferente… As limitações possíveis são infinitas e cada uma delas produzirá criações diferentes.

Quando aceitamos uma limitação, precisamos contorná-la de forma criativa. Se eu tive uma ideia, mas ela extrapola meu limite, tenho duas opções: ignorar o limite ou exercitar a ideia até que ela caiba no que me foi proposto.

É apenas treinando que a gente melhora.

Se as limitações criativas são importantes para o escritor, os verbos são essenciais para qualquer história. Eles acrescentam movimento e fazem as coisas mudar – e toda história é sobre mudança.

Porém, é necessário manter coerência com relação ao tempo verbal que utilizamos. O parágrafo que estamos analisando começa no passado (recebeu, estava, ofereceu), mas em seguida entra no presente (é, dividem, tem…). Essa mudança no tempo gera confusão na cabeça do leitor: afinal, a história está no passado ou no presente?

Nenhum dos dois é melhor que o outro, são apenas diferentes. O passado passa uma impressão de história concluída, distante no tempo. Já o presente sugere atualização constante, como se a história estivesse acontecendo em paralelo à leitura.

Qual utilizar? Depende do efeito desejado pelo escritor.

O que não depende é a coerência entre os tempos verbais e entre número. Na frase “tem uma mochila e equipamentos de para acampar espalhado pelo chão”, além do “de para” que escapou à revisão, mochila e equipamentos ficam espalhados, no plural, não no singular.

Quando deixamos esses equívocos chegar ao leitor final – não é o caso aqui, mas é importante para o exercício de leitura crítica que tentemos escrever o melhor texto possível dentro das condições de tempo e disposição –, ele confia menos em nós.

O leitor não quer um texto com erros, pois eles interferem na mágica.

:)

Espero que estas sugestões que ofereci ao texto da Carolina possam te ajudar na escrita das tuas próprias histórias. Os comentários feitos neste texto não têm a intenção de serem exaustivos, mas sim de destacar algumas das questões que podem ser melhoradas.

Se gostou, se tem críticas, se tem dúvidas, por favor assine a newsletter do Ninho e fique mais pertinho!

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Leitura crítica #19

Dia 16 de novembro, propus um desafio aos leitores da newsletter do Ninho de Escritores: em até 60 palavras, escrever um parágrafo que leve o leitor a pensar “são as pequenas coisas que fazem a diferença”.

A Alissa de Souza fez o exercício:

Deveria levantar, mas ao invés disso viro de lado. Acompanho o subir e descer das cobertas enquanto dorme. Passo os dedos por cima da pele do braço dele quase sem tocar. Sei que não percebe e sorrio por isso. Chego mais perto e encosto o ouvido para escutar as batidas através do pano. Fecho os olhos aguardando os despertadores.

Um parágrafo simples e bonito.

A Alissa conseguiu montar uma cena com 59 palavras na qual eu sei o que está acontecendo (um(a) personagem acordou ao lado de alguém querido e quer curtir aqueles segundos ou minutos ou horas antes do despertador, um momento de entrega e beleza).

Para tornar mais redondinho o parágrafo, acrescentaria um “ele” entre “enquanto dorme”, na segunda frase, pois a mudança súbita do verbo da primeira para a terceira pessoa me fez travar durante um ou dois segundos. Com o pronome, essa questão desaparece.

Há um mundo de informações que não são dadas neste parágrafo. Quem narra a história? É homem, mulher, agênero, um gato? Como é o homem que dorme, negro, branco, asiático? Onde eles estão, em um quarto de motel, num resort à beira do mar?

Há um mundo de informações que não foram acrescentadas neste parágrafo porque, para a mensagem que se deseja passar, elas são irrelevantes.

A arte de escrever envolve escolher as palavras certas e, também, eliminar as palavras erradas.

Neste parágrafo Alissa nos ofereceu um ótimo exemplo sobre como deixar de lado informações supérfluas.

:)

Espero que estas sugestões que ofereci ao texto da Alissa possam te ajudar na escrita das tuas próprias histórias. Os comentários feitos neste texto não têm a intenção de serem exaustivos, mas sim de destacar algumas das questões que podem ser melhoradas.

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Leitura crítica #18

Dia 16 de novembro, propus um desafio aos leitores da newsletter do Ninho de Escritores: em até 60 palavras, escrever um parágrafo que leve o leitor a pensar “são as pequenas coisas que fazem a diferença”.

Trago aqui a contribuição da Laís Helena:

Aquela casa não parecia pertencer a Paula. Era grande, austera, vazia. Um lembrete constante de um mundo arruinado, capaz de destroçar mesmo as melhores pessoas.
Alina se dirigiu ao escritório, seus passos ecoando sobre a madeira. E ali, repousando discretamente sobre uma das prateleiras, estava a caixa de joias com que presenteara Paula anos atrás.
Ainda havia esperança.

O texto da Laís nos oferece exatamente o que desafio pedia: a noção de que são as pequenas coisas que importam. Como leitor, sabendo do desafio, sei exatamente qual era a intenção da escritora.

O problema, infelizmente, é que na maior parte das vezes o leitor não sabe qual é a intenção de quem escreveu o texto e deve compreender a história mesmo assim.

Quando o texto começa, sabemos que há uma casa grande, austera e vazia que não parece pertencer a Paula. Não sei quem é Paula, mas sei que ela não combina com um lugar grande, austero e vazio. Talvez Paula seja uma pessoa simples. Sigo lendo.

Um mundo arruinado. Uma casa nobre, porém destruída e saqueada, será isso?

Opa, tem prateleira e tem caixa de joias. Certamente é a “pequena coisa” que tem importância e que traz esperança a Alina, mas o que concluir a partir disso? Qual era a relação entre as duas personagens? O que aconteceu com Paula? Qual é o papel do casarão? Por que ela guardou a caixa de joias? Esperança de quê?

Enquanto faço estas perguntas, começo a me sentir curioso. Curiosidade é boa coisa na literatura, certo? Sim, mas em excesso vira problema. Minhas perguntas estão sendo alimentadas com outras perguntas, o que começa a transformar curiosidade em confusão. O que está acontecendo? Não sei e começo a me sentir deslocado.

O que a gente faz quando se sente deslocado e não sabe o que pode fazer para mudar isso? A gente foge. No caso, a gente para de ler.

Perceba que estou pegando pesado nestas 58 palavras. Com tão poucas palavras mal é possível contar uma boa história, disso não podemos ter dúvida.

Entretanto, esse é o desafio: condensar profundidade humana em um parágrafo. Para resolver o problema, o caminho é simplificar, trazer menos elementos para a história com maior clareza.

Uma frase poderia ser usada para oferecer a relação entre as duas personagens. Ou uma outra para explicar de que mundo arruinado estamos falando. E assim, com pequenos acréscimos ou mudanças, situamos o leitor em uma história que ainda lhe é estranha e misteriosa.

Como escritores, temos o dever de convidar o leitor a entrar e a ficar. Fazemos isso sendo claros com ele.

:)

Espero que estas sugestões que ofereci ao texto da Laís possam te ajudar na escrita das tuas próprias histórias. Os comentários feitos neste texto não têm a intenção de serem exaustivos, mas sim de destacar algumas das questões que podem ser melhoradas.

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